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A luta de liberação de Cabo Verde não foi circunstancial nem a sua indepenëncia veio por arrastamento

Setembro de 2005
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Dando continuidade às nossas considerações sobre o conteúdo da entrevista de Mário Soares, voltamos a afirmar aqui: não foi circunstancial o facto de os cabo-verdianos terem um partido que se chamava PAIGC, simultaneamente cabo-verdiano e guineense nem é tão pouco verdade que dirigentes portugueses tenham começado a discutir com um grupo do PAIGC na perspectiva da independência da Guiné e que depois é que veio a questão de Cabo Verde, por arrastamento. Mais uma vez somos obrigada a recorrer à História para refrescar as memórias.

Contrariamente ao que disse Adriano Moreira, na sua entrevista à A SEMANA (22-4-05), desde os primórdios da ocupação/povoamento de Cabo Verde, várias foram as formas de resistência (tanto pacífica como violenta) à dominação colonial portuguesa: fuga de escravos para se subtraírem aos horrores da escravidão a que eram submetidos; revoltas e insurreições de que os mais marcantes começaram logo depois da proclamação da Independência do Brasil.

Na Ribeira de Engenhos, em 1822, dá-se o levantamento de camponeses entre os quais propalava a ideia da independência de Cabo Verde que devia unir-se ao Brasil; em 1835, revoltam-se escravos de Monte Agarro, localidade situada a cerca de 4 quilómetros da cidade da Praia, que queriam matar os brancos, pilhar as casas e apoderar-se da cidade (Santiago); em 1836, rebelião de escravos e jornaleiros na ilha do Sal arvorando a bandeira que tomaram no consulado do Brasil [1]; 1841, sublevação de 300 rendeiros de Achada Falcão que, empunhando facas e cacetes, exortavam a população a se juntarem a eles e manifestarem contra o pagamento das rendas aos proprietários, por considerarem que as terras deviam pertencer-lhes (Santiago); a 17 de Abril de 1886, mais de mil pessoas, partindo de várias freguesias do Paul, marcharam sobre Ribeira Grande (Santo Antão) que ocuparam durante cinco dias (a praça do Concelho, a Câmara Municipal e várias repartições públicas) para protestarem contra injustiças e vexames a que estavam submetidos e contra a sobrecarga da contribuição predial; a 20 de Abril de 1891, mais de 2 000 trabalhadores das companhias carvoeiras de São Vicente, despedidos devido à paralisação da navegação e do comércio no Porto Grande, dirigem-se aos Paços do Concelho para exigir trabalho para não morrerem de fome; a 12 de Fevereiro de 1910, revolta de rendeiros de Ribeirão Manuel, liderada por Ana Veiga (Santa Catarina - Santiago) que se recusam a pagar as rendas aos “morgados” e passam a colher, sem licença, semente de purgueira nas propriedades dos mesmos; na consequência das frequentes crises que assolaram o país nos inícios da década de 1920, proprietários de Achada Portal (Tarrafal - Santiago), sublevam-se; nos dias 28 e 29 de Janeiro de 1929, período em que São Vicente atravessava mais uma das suas maiores crises de emprego, eclodiu mais uma revolta, reunindo, desta vez, trabalhadores, estudantes e professores levando a que, por ordem do Governo colonial, o Comandante militar desta ilha instalasse o Governo militar e assumisse todas as atribuições policiais da cidade; a 7 de Junho de 1934, Nhô Ambrose - o célebre Capitão Ambrósio de Gabriel Mariano - hasteando uma Negra bandeira/Bandeira negra da fome, sobre a qual escreveu um comerciante, CRISE, encabeçou a manifestação de um grupo de insurrectos que acabou por invadir a Alfândega, distribuir as mercadorias aí encontradas e continuar depois, mesmo perseguidos pela polícia, a abrir armazéns de diversas casas comerciais para confiscar as mercadorias e distribuí-las para o povo da ilha.

Até à Segunda Guerra Mundial, os movimentos sociais foram sistematicamente reprimidos: enforcamento, chicote, palmatoadas e outras sevícias corporais, deportação inter ilha ou para outra colónia, como aconteceu com Nhô Ambrose que foi degredado para Angola...

Finalmente, as ideias de autonomia ou de independência nacional tomam corpo nos anos 40 com a geração de Amílcar Cabral. O seu corolário foi a organização da luta de libertação nacional, na sua forma moderna, com a criação, em 1956, em Bissau, do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (P.A.I.G.C.), de que Amílcar Cabral foi o principal promotor e ideólogo. A partir daí, o seu percurso e o do Partido serão indissociáveis, até ao seu assassinato, a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri.

A decisão de travar uma luta conjunta tinha o seu fundamento na história comum desses dois países. Cabo Verde foi essencialmente povoado por escravos ou negros livres vindos sobretudo da Guiné-Bissau que desde 1466 tinha ficado ligado a Cabo Verde por intermédio do comércio e do tráfico de escravos. Em 1550, as autoridades coloniais portuguesas nomearam, pela primeira vez, um Capitão-Geral para as ilhas, ficando esses dois países submetidos à mesma administração, até 1868.

A dependência do ponto de vista administrativo e das finanças públicas em que a Guiné ficou em relação a Cabo Verde gerou tão grandes mal-entendidos ao longo dos tempos que não é de admirar que depois da política da Guiné Melhor do Spínola, alguns ressentimentos de guineenses tenham vindo à tona no momento do golpe de Estado de 1981 que pôs fim ao projecto unitário.

Tratava-se, no quadro da luta de libertação nacional, de realizar a união das populações da Guiné-Bissau, a união das populações de Cabo Verde e a união dos povos dos dois países. A ideia força, "unidade e luta" e "luta para a unidade da Guiné e Cabo Verde" tornou-se um princípio e uma palavra de ordem mobilizadora do Partido.

A concretização do pensamento nacionalista de Cabral far-se-á, primeiramente em Lisboa, onde ele prosseguia os seus estudos superiores de agronomia, desde o primeiro ano do após-guerra (1945-1946).

No Instituto Superior de Agronomia participa, desde o primeiro ano, nas lutas reivindicativas da juventude antifascista. No seio dos estudantes originários das outras colónias portuguesas, ele irá informar-se e instruir-se sobre a literatura produzida por intelectuais africanos, que exprimiam as aspirações dos seus povos à autodeterminação e à independência.

Em 1949, Cabral volta às ilhas de Cabo Verde, para onde tinha vindo viver desde os seus 8 anos e onde terminara os seus estudos secundários, decidido a pôr em prática as suas ideias. Primeiro, revelar Cabo Verde aos caboverdianos começando, no dia 8 de Setembro, uma série de "conversas" radiofónicas sobre as realidades geofísicas do arquipélago. É ocasião para ele, de defender com convicção, que os caboverdianos têm meios para tomar em mãos o seu próprio destino. Rapidamente, ultrapassou a questão inicial e passou a mostrar aos caboverdianos que podiam viver da sua própria terra devendo, para isso, organizar-se para apreender a sua realidade. As emissões foram rapidamente proibidas pelas autoridades coloniais.

De regresso a Lisboa, findas as férias, retoma a luta, implicado naquilo que se considerava ser uma luta para a"reafricanização dos espíritos" que ele considerava uma necessidade tanto maior para os caboverdianos, quanto a colonização das ilhas tinha sido mais assimiladora, portanto mais alienante, do que nas outras colónias e mais mistificadora também.

Terminados os estudos (1950), Cabral volta a trabalhar na Guiné-Bissau onde tentará constituir a base social propícia para o desenvolvimento da luta de libertação nacional. A aceitação e a audiência que encontrou no seio dos guineenses e a adesão de alguns companheiros caboverdianos confirmariam a sua ideia da necessidade de uma luta conjunta de libertação nacional da Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Cabral tenta criar, em 1954, uma associação desportiva aberta a todos os guineenses, ao que os portugueses se opõem. O Governador comunica-lhe que a sua presença é indesejável na Guiné-Bissau permitindo-lhe, contudo, voltar todos os anos para visitar a família. Foi por ocasião de uma dessas visitas que Cabral dirige a reunião (a 19 de Setembro de 1956), durante a qual seria criado o PAIGC.

Após três anos de luta política clandestina, o massacre à queima-roupa, no pequeno cais de Pindjiguiti, dos cinquenta trabalhadores, pobres e desarmados, que participaram na greve, a 3 de Agosto de 1959, fez compreender que visava também desmantelar a estrutura do Partido cuja influência já se fazia sentir.

A análise da experiência da luta clandestina, da natureza do Governo colonial português, que se opunha a qualquer solução pacífica para a liquidação da dominação colonial, e do contexto internacional (1959), leva o P.A.I.G.C. a tomar a decisão de passar da "fase da luta política à da insurreição nacional, ou seja, à acção directa contra as forças colonialistas".

Na Guiné-Bissau, a mobilização vai dirigir-se, daí em diante, principalmente às massas camponesas e, em 1963, é desencadeada a luta armada

Nas ilhas de Cabo Verde, por causa da insularidade e da descontinuidade do território, a luta continuaria sob forma política clandestina até o advento da Independência. A esta luta aderiram amplas fracções da diáspora caboverdiana em África, na Europa e nas Américas.


Ao tomar a decisão de passar da "fase da luta política à da insurreição nacional, ou seja, à acção directa contra as forças colonialistas" e tendo em conta a persistência de Portugal em não admitir perante as Nações Unidas a existência de territórios sob sua dominação colonial, o PAIGC encetará, ...através de acções diplomáticas, uma luta perseverante para que a vaga obrigatoriedade das potências coloniais tratarem os povos colonizados com equidade fosse clarificada e rectificada no sentido de conceder aos territórios “não autónomos” os mesmos direitos que os concedidos aos “territórios sob tutela” [2]. Assim, já No começo dos anos 60, o PAIGC aplica-se em várias iniciativas diplomáticas, visando através de uma denúncia sistemática destruir a barreira que se erguia por detrás das mistificações do colonialismo português [3].

Pelo facto da luta armada de libertação nacional se ter desenrolado em território guineense, ela tomou um carácter particular, quanto à natureza da participação das duas comunidades (caboverdiana e guineense).

A grande adesão das massas camponesas à luta armada confere um carácter popular à participação guineense. Em contrapartida, a dos caboverdianos, que foi inegável e decisiva limitou-se, no entanto, do ponto de vista da acção directa, a um reduzido grupo concentrado nos postos de direcção política e militar, e de representação diplomática.

Ao mesmo tempo que privilegiava a mobilização das massas camponesas, o PAIGC reforçava os seus apelos de adesão à luta a outras camadas e categorias sociais da Guiné-Bissau e de Cabo Verde: funcionários, empregados de comércio, estudantes, soldados, jovens em geral (1960-1961). A mobilização estende-se à diáspora caboverdiana e a guineenses radicados no exterior.

O ano que segue ao desencadeamento da luta armada na Guiné-Bissau (1964), será decisivo tanto no plano militar como no político. Com efeito, a vitória alcançada na batalha de Komo, primeiro território libertado e base estratégica, permitiu, no plano interno, assegurar o controlo de todo o Sul da Guiné e no plano exterior, conquistar o prestígio e a solidariedade internacional.

O 1° Congresso do P.A.I.G.C. realizado em Cassacá (de 13 a 17 de Fevereiro do mesmo ano), permitiu tomar decisões que reforçaram o Partido, levando à sua reorganização da base ao topo. Reorganização que permitiu a sua adaptação à gestão e administração das zonas que ia controlando. Criou-se um exército regular. "O desenvolvimento da acção dos departamentos da justiça, da saúde, da educação, a instalação dos armazéns do povo nas regiões libertas, tudo isto confere ao P.A.I.G.C. a dimensão de um Partido-Estado e consolida a soberania do povo da Guiné-Bissau sobre a maior parte do território nacional" [4].

Esse papel de Partido-Estado - no sentido de criar as infra-estruturas e serviços necessários à resolução dos problemas das populações (escolas, centros de saúde, abastecimento) - será mantido e reforçado até à proclamação da República da Guiné-Bissau a 24 de Setembro de 1973. Nesse Congresso decidiu-se igualmente, pela criação da Milícia Popular.

A década que segue o final da Segunda Guerra Mundial será marcada por uma vaga de libertação nacional em Africa: as primeiras vitórias foram obtidas no Egipto em 1952; no Sudão, Marrocos e Tunísia em 1956; Ghana em 1957.

Entretanto, em Bandung (1955), os principais líderes asiáticos e africanos, depois de terem garantido a sua independência política, apesar da diversidade das correntes políticas e ideológicas que representavam, encontraram-se pela primeira vez em torno de um projecto comum: a descolonização política da Ásia e da África.

A Revolução de Outubro primeiro, a Revolução Chinesa depois e finalmente, a Revolução Cubana (1959) virão romper as relações de força estabelecidas no seio das Nações Unidas pelos países capitalistas dominantes, oferecendo igualmente, possibilidades de ajuda importante ao desenvolvimento das lutas de libertação nacional.

A admissão de Portugal no seio da Organização das Nações Unidas, em Dezembro de 1955, permitia aos movimentos de libertação pressagiar que esse país viria a respeitar as suas obrigações internacionais de Estado membro em relação aos povos das suas colónias e se considerasse abrangido pelas disposições do capítulo XI - da Carta das Nações Unidas assinada em São Francisco, a 26 de Junho de 1945 - aplicáveis aos territórios “não autónomos”.

Efectivamente, desse Capítulo XI (art.º 73) consta que Os membros das Nações Unidas que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não se governem completamente a si mesmos reconhecem o princípio do primado dos interesses dos habitantes desses territórios e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais (...) o bem-estar dos habitantes desses territórios, e, para tal fim, deveriam nomeadamente, assegurar a esses povos o seu progresso político, económico, social e educacional; promover a criação do seu governo próprio e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres.

Contrariamente a todas as evidências, Portugal (entenda-se o regime colonial) continuaria a negar, até a Revolução de Abril, o estatuto de territórios “não autónomos” às suas colónias e a não reconhecer as obrigações internacionais a que estava sujeito.

Ter-se-á que esperar por 1960, para que a entrada para as Nações Unidas de 17 Estados africanos viesse modificar a maioria formada pelos aliados de Portugal permitindo à Assembleia Geral adoptar, a 14 de Dezembro do mesmo ano, a Declaração (resolução 1514 (XV) que anunciava o direito imediato dos povos colonizados à independência e reconhecesse no dia seguinte (resolução 1542 (XV), o estatuto de territórios “não autónomos” às colónias portuguesas. Ao conferir legitimidade e legalidade aos movimentos de libertação nacional, o contexto jurídico a nível internacional transforma-se completamente.

Podemos ler na História Geral da África [5] que essa Declaração, ...patrocinada por 43 Estados afro-asiáticos assinalou de modo espectacular a chegada no sistema das Nações Unidas deste grupo afro-asiático reorganizado e ampliado.

A 25 de Maio de 1963, trinta chefes de Estados independentes de África, reunidos em Adis Abeba, criam a Organização de Unidade Africana (OUA).

Na sua intervenção, o imperador Hailé Selassié declarou esse dia como o da proclamação da maior tarefa da Organização: a libertação definitiva de todos os irmãos africanos que se encontravam ainda sob o jugo da exploração e do domínio estrangeiro...

Optar-se-ia por uma Carta Africana, em harmonia com a das Nações Unidas, que foi assinada por todos, numa atmosfera de fraternidade quase mística, no dizer de Kizerbo.

Dos objectivos nela enunciados (artigo 2), sublinhamos: defender a soberania, integridade territorial e independência dos africanos; erradicar todas as formas de colonialismo no Continente africano.

A descolonização de África cristaliza a unidade de acção da OUA pela criação da Comissão Africana de Libertação, instalada em Dar es Salam, e pela decisão de boicote vigoroso a Portugal e à República da África do Sul nas conferências internacionais.

Ao nível da Organização das Nações Unidas, a recusa constante dos aliados de Portugal em permitir maiores pressões ou a aplicação mesmo de sanções a Portugal faz com que só a 12 de Setembro de 1965 a Assembleia Geral, aquando da sua XX sessão, declarasse (resolução 2105/XX), a legitimidade da luta levada a cabo pelos povos sob dominação colonial para o exercício do seu direito à autodeterminação. Outras resoluções se seguem e as Nações Unidas apelarão finalmente, a todos os Estados para, a través da O.U.A., ajudarem moral, política e materialmente, as populações dos territórios administrados por Portugal.

Finalmente, em 1972, pelas resoluções S/312 e S/322, o Conselho de Segurança, desta vez com o apoio unânime de todas as potências aliadas de Portugal, reafirma o direito inalienável dos povos de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Moçambique à autodeterminação e à independência bem como a legitimidade da sua luta para a realização desse direito.


A reafirmação pelo Conselho de Segurança do direito inalienável dos povos de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Moçambique à autodeterminação e à independência bem como a legitimidade da sua luta para a realização desse direito (1972, resoluções S/312 e S/322) não foi um acaso mas sim o resultado dos progresso alcançados na luta de libertação tanto política e militar como diplomático, com particular realce para a luta armada encabeçada pelo PAIGC na Guiné-Bissau.

Como justamente escreveu António E. Duarte Silva [6] a descolonização da Guiné-Bissau “foi um caso especial no conjunto da descolonização portuguesa”: “primeiro porque assumiu a forma de uma declaração unilateral de independência, pronunciada na sequência de uma luta armada de libertação nacional, ampla e duradoura; segundo porque levantou problemas únicos ao direito internacional; terceiro porque o acordo de descolonização com o Governo português teve por objecto não só o reconhecimento da GB, como a independência de Cabo Verde e influenciou, decisivamente, o processo de descolonização das outras colónias”.

Aliás, como já dizia Cabral, em 1968, a situação nesse país era a de um Estado independente em que uma parte do território - principalmente as zonas urbanas - estava ilegalmente ocupada pelas forças armadas estrangeiras.

É a partir dessa data que se abre um período durante o qual os colonialistas portugueses recorrerão a todos os métodos para destruírem o P.A.I.G.C. A 11 de Novembro de1970, atacam a República da Guiné Conacry, esperando por um lado, provocar a queda do Presidente Sekou Touré, aliado fiel do P.A.I.G.C. e por outro, destruir as estruturas deste. "O fracasso dessa agressão armada e a sua condenação pelo Conselho de Segurança, na base de conclusões apresentadas por uma missão internacional que para aí foi enviada, contribuem fortemente para o isolamento, no plano internacional do regime colonial português e abrem novas perspectivas à luta do P.A.I.G.C., tanto no plano interno como internacional" [7].

Em Agosto/Setembro de 1969, uma delegação de peritos militares da Guiné-Conacri, Mauritânia e Senegal, mandatada pela OUA, visita as zonas libertadas da Guiné-Bissau e no final da sua missão elaboram um relatório sobre a situação militar muito favorável ao PAIGC o que contribuirá bastante para o reforço do seu prestígio no continente africano e no mundo.

Foi neste mesmo ano que, na opinião de Armelle Enders, o Governo americano constata “o impasse em que se encontra a situação na África portuguesa” em que “Nem um nem outro dos beligerantes parece ter condições para vencer. Washington escolhe então auxiliar maciçamente os portugueses a vencerem os movimentos nacionalistas marxistas com os métodos experimentados no Vietname. (...)

Enders acrescenta ainda, “A nova alteração das relações entre os Estados Unidos e Portugal tem repercussões sensíveis sobre a condução das operações na Guiné, em Moçambique e em Angola e acentua o fenómeno da “vietnamização” da guerra colonial” [8].

Efectivamente, tal como os americanos fizeram no Vietname, os colonialistas portugueses constituem “aldeias estratégicas”, destinadas a reagrupar as populações por forma a poderem ser controladas pelos militares. Tal como eles, passam também a utilizar desfolhantes. Mas nem assim conseguem travar a marcha da luta para à independência nacional de que relembraremos aqui alguns marcos importantes do ponto de vista das vitórias politico-diplomáticas.

O Episcopado e o Clero português deixam de se colocar unanimemente ao lado da política colonial do Governo. As ocupações de igrejas como forma de protesto contra a condução da guerra multiplicar-se-ão. Paulo VI testemunhará o desacordo da Santa Sé ao receber em Roma, em 1970, Agostinho Neto (MPLA), Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos (FRELIMO).

A convite do PAIGC e com o acordo da Assembleia Geral da ONU (resolução 2795-XXVI de 10 de Dezembro de 1971) uma missão oficial representando o Comité Especial de Descolonização desta Organização visita também as zonas libertadas (de 1 a 8 de Abril de 1972) e no seu relatório constata a existência de um poder efectivo do PAIGC sobre essas zonas, realça as suas realizações sociais e denuncia os bombardeamentos das tropas portuguesas contra as populações e estabelecimentos civis que tiveram ocasião de presenciar (Doc. das Nações Unidas A/8723, add. 3, anexo 1). Como resultado, Cabral é convidado a passar a representar o PAIGC no Conselho Económico da ONU para a Africa.

O Comité de Descolonização da O.N.U. (na sessão de Abril de 1972) adopta, por aclamação, uma resolução na qual reconhece o PAIGC como o único, autêntico e legítimo representante do povo da Guiné e de Cabo Verde que viria a ser confirmada pela Assembleia Geral. Portugal virá mesmo a ser condenado pelo Conselho de Segurança num momento em que pela primeira vez era presidido por uma grande mulher africana, a guineense (Conacri) Hadja Jeanne Martin Cissé antiga Ministra dos Assuntos Sociais, antiga Secretária Geral da Conferência de Mulheres Africanas (1962-1974) apelidada a partir deste ano Conferência Panafricana de Mulheres [9]. Incansável lutadora pelos direitos da mulher africana e advogada incansável da descolonização dos povos africanos, concede particular atenção à luta da Guiné-Bissau e de Cabo Verde países a que estava ligada por fortes laços de amizade e convivência nomeadamente com Amílcar Cabral de que era grande amiga e companheira.

Perante os sucessos, tanto militares como políticos, alcançados pelo P.A.I.G.C. no plano interno, e graças às suas vitórias diplomáticas, a potência colonial acreditou erradamente, que podia travar a luta, ao suprimir o homem que encarnava esse Partido. Amílcar Cabral é assassinado a 20 de Janeiro de 1973 em Conacri. Mas, contrariamente às esperanças dos colonialistas portugueses, a intensificação da luta que se segue leva, só meses depois, à reunião - nas zonas libertadas do Boé, a 24 de Setembro de 1973 - da Assembleia Nacional Popular que proclama a República da Guiné-Bissau, Estado independente e soberano.

Pouco tempo depois, 75 Estados de todos os continentes reconheciam o Estado guineense, que foi admitido na Organização da Unidade Africana (OUA) a 19 de Novembro de 1973. Entrementes, numa resolução (3061 - XXVIII), de 2 de Novembro de 1973, a Assembleia Geral das Nações Unidas congratulava-se pela proclamação do novo Estado, denunciava e condenava a ocupação ilegal de algumas zonas do território, bem como os actos de agressão de Portugal contra o povo da Guiné-Bissau. Mais, exige no seu ponto 3. “... que o Governo português se abstenha imediatamente de qualquer nova violação da soberania e da integridade territorial da República da Guiné-Bissau e de todos os actos de agressão contra o povo da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, retirando imediatamente as suas forças armadas destes territórios”. Esta resolução foi apoiada por 93 Estados.

A 5 de Abril de 1974, o Comité de Descolonização reconhece o direito à independência do povo de Cabo Verde e o P.A.I.G.C. como seu representante legítimo.

Na sua moção de 1 de Julho de 1974 o MFA da Guiné considera “(...) que o Programa do MFA, ao traçar os princípios orientadores da política ultramarina do Governo Provisório", é bem claro ao reconhecer que a “solução das guerras é política e não militar” e ao impor o “lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz”(...).

Considerando igualmente que ...”a independência, que nunca pode ser uma concessão, se conquista lutando, constata que pela luta levada a cabo o PAIGC tinha demonstrado a sua capacidade de emancipação e exprimia inequivocamente o sentimento nacional verdadeiro e as legítimas aspirações populares à dignidade e à soberania nacionais”.

MFA da Guiné considera finalmente, “que o PAIGC sempre manifestou a sua solidariedade pelo Povo Português, dirigindo a sua luta apenas contra o colonialismo, o racismo e o fascismo que também a Revolução de 25 de Abril quis varrer definitivamente de Portugal e das colónias". Assim, “E tendo em conta a existência de um perigo real de recomeçarem as operações militares, o que seria trágico não só pelas vítimas inglórias a que tal daria lugar mas sobretudo por ser possível a derrota militar que justamente o 25 de Abril quis evitar", delibera, nomeadamente: “Exigir que, vencendo os obstáculos levantados pelas forças reaccionárias e neocolonialistas, o Governo Português, de acordo com as resoluções pertinentes da ONU, reconheça imediatamente e sem equívocos, a República da Guiné-Bissau e o direito à autodeterminação e independência dos povos de Cabo Verde, única solução susceptível de conduzir à paz verdadeira."

No Acordo de Argel, de 26 de Agosto de 1974, de modo inequívoco, O Governo Português reafirma o direito do Povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência e garante a efectivação desse direito de acordo com as resoluções pertinentes das Nações Unidas, tendo também em conta a vontade expressa da Organização da Unidade africana (art. 6º). O Governo Português e o PAIGC consideram que o acesso de Cabo Verde à independência, no quadro geral da descolonização dos territórios africanos sob dominação portuguesa, constitui factor necessário para uma paz duradoura e uma cooperação sincera entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau (Art. 7º).




A SEMANA de 27-05-05, 17-06-05


[1] José Guimarães, na sua Dissertação de Mestrado em História de África, A Difusão do Nativismo em África: Cabo Verde e Angola - séculos XIX e XX, recentemente defendida na Universidade de Lisboa é de opinião que a fome de 1830-33 foi factor decisivo no processo de adesão de uma fracção de caboverdianos ao Nativismo e fez vingar parcialmente a ideia da Confederação com o Brasil, isto é, a separação das colónias relativamente a Portugal e, simultaneamente, a união entre si, liderada pelo Brasil.

[2] PEREIRA, Aristides, GUINÉ-BISSAU E CABO VERDE - Uma Luta, um partido, dois países, Editorial Notícias, Lisboa, 2002, p. 180.

[3] Idem.

[4] ANDRADE, Mário de, Notes biographiques, in Unité et Lutte, Petite collection Marpero, Paris, 1980.

[5] Vol. VIII, L’Afrique depuis 1935, Ed. Présence africaine/Edicef/UNESCO, Paris 1998.

[6] In, A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Edições Afrontamento, Porto, 1997.

[7] PIERSON, Paulette Mathy, 1980.

[8] In, História da África Lusófona, Editorial Inquérito, Mem Martins, 1997.

[9] Tive o privilégio de trabalhar com esta grande Senhora de 1968 a 1970, na qualidade de representante das mulheres do PAIGC, como Tesoureira Geral Adjunta desta Organização e permanente na sua Sede em Argel. Tínhamos como uma das tarefas primordiais, sensibilizar as mulheres do mundo inteiro ao apoio às lutas pela independência de África.





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